Home

 

 

 

 

Angra Jazz 2025

 

O ano de todos os imprevistos

Quando comecei a escrever este texto, lembrei-me de um filme antigo: «O ano de todos os perigos». Ora este foi, para o AngraJazz, o ano de todos os imprevistos. Imprevistos, surpresas, peripécias, acidentes, houve de tudo um pouco, num festival numa ilha no meio do oceano, que está habituado a prever e que gosta de arriscar.

Orquestra AngraJazz com João Ribeiro
Deixem-me dizer que a minha primeira surpresa do festival aconteceu escassos minutos após o início do concerto, e foi uma boa surpresa. Tinha a orquestra começado a tocar quando ela desferiu o primeiro murro, antecipando o que haveríamos de ver e ouvir. O punch (murro) é uma característica das orquestras históricas de Jazz, os uníssonos sonoros atordoantes; e creio que eu devo ter escrito noutros anos que faltava punch à orquestra. Ora a surpresa tem um significado que não residirá apenas nos arranjos mais ousados, mas têm a meu ver um significado: a orquestra perdeu o medo.
Em especial os sopros revelaram uma consistência a que não estávamos habituados, e acredito que marquem uma nova era na vida da Orquestra AngraJazz. Confirmá-lo-emos no futuro, mas em 2025 foi uma surpresa saborosa. Foi bom observar que ela dispõe agora de uma secção de trombones completa - anos houve em tinha trompas em vez de trombones (mas trompas não têm a dinâmica dos trombones!), e há muitos rostos novos (um até muito jovem, de oito anos!); e foi um prazer ouvir esta nova  Orquestra AngraJazz. E diria até que, se em anos anteriores a secção rítmica tinha evoluído até à eficiência, talvez a direcção da orquestra deva agora, de novo, virar a sua atenção para ela.
O concerto deste ano tinha como convidado João Ribeiro, um jovem cantor que se tem feito notar como intérprete do American Song Book, na peugada de Frank Sinatra; e o repertório foi exactamente o vasto repertório de Sinatra. E ele adequou-se também à orquestra, que tem trabalhado o cancioneiro americano com regularidade, e o resultado foi uma boa surpresa.
«Fly Me to the Moom» com um arranjo curioso, «Pennies from Heaven», «How About You» - João Ribeiro canta de mão no bolso, forçando a imagem do crooner -, um blues: «Learning the Blues»; «My Funny Valentine» à maneira de Chet Baker, mas aqui seria inevitável - frágil e amarga, a forma de Chet Baker é definiva -; um «Cheek to Cheek» - próximo de Ella, que não é a forma redonda, do canto de João Ribeiro; e «Come Fly with Me» a rematar.
João Ribeiro possui uma excelente dicção, timbre grave, mas muito redonda, sem arestas, talvez algo excessivamente smooth (para o meu gosto), mas fez um excelente espectáculo, a que não faltou uma gracinha de tarola e escovas. Boa interacção com uma orquestra cheia de energia, em estado de graça.

Stefano di Batista Quintet
O segundo imprevisto do festival aconteceu logo a seguir, ainda na primeira noite: o quinteto de Stefano di Batista que não chegava. Experiente (ou calejada: 26 anos) a direcção do festival há muito que leva os músicos para a ilha de véspera, mas ainda assim os acidentes acontecem. O grupo de Di Batista tomou o avião, no dia anterior, de Roma para Lisboa, mas ele atrasou-se e perdeu a ligação. Não havia mais voos para esse dia e procurou-se que os músicos voassem para a ilha no dia seguinte de manhã. Mas os voos estavam lotados! A solução foi, enfim, eles voarem para Ponta Delgada e daí para a Terceira no voo doméstico da Sata. Que... se atrasou. E enfim, os músicos aterraram nas Lajes à meia noite e daí o transfer levou-os directamente para a sala do Centro Cultural, onde o público os aguardava calmamente: afinal já está habituado aos imprevistos da insularidade.
Enfim, dois dias com três voos, pernoita em Lisboa, saltos de um para outro lado, meias refeições, sem ir ao hotel e sem mudar de roupa, directamente para o palco do AngraJazz; o sound check foi feito naquele momento, à frente da plateia, ao som de «Tu vuò fa l’americano», um popular tema napolitano dos anos 50.
O que impressionou foi em parte a capacidade do quinteto de superar as adversidades, mas ao profissionalismo juntou-se a alegria e energia que transpuseram para o palco. O repertório, baseado na música popular italiana, e que o próprio nome do disco que vieram tocar a Angra ajuda - La Dolce Vita, nome também da obra-prima de Federico Fellini -, mas este é um quinteto de excelentes músicos. Di Battista é um bopper de formação e coração, e não trouxe novidades para Angra, ou transgressão, mas não eram esses os seus objectivos.
Sound check feito, o quinteto prosseguiu o concerto com «La vita è bella» (nome do filme de Roberto Benigni), «Caruso» e «Via con me» de Paolo Conte, «La Dolce Vita» de Nino Rota e um encore que juntou «Come Together» (Beatles) e «Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo» (ou «O bom, o mau e o vilão»), música de Ennio Morricone para o épico de Sergio Leone.
Alegria, energia, bons improvisadores num quinteto equilibrado empático, onde a música fluiu locaz.
Uma primeira noite a acabar muito bem!

Samuel Lercher Trio
Talvez que o concerto que abriu a sexta-feira tenha sido o menos imprevisível do festival. Com naturalidade francesa, a viver há muito em Portugal, Lercher tem tido uma carreira discreta, mas consistente; tendo dedicado a sua actividade ao ensino e à criação. A sua música denuncia formação clássica, a par das suas origens, reconhecendo influências de Chopin e Debussi, e de Brad Mehldau e Tigran Hamasyan, e... a chanson.
O trio é a sua formação natural, e para este concerto ele reuniu os músicos que gravaram o seu terceiro disco, «Fractal», de 2024, Bruno Pedroso e André Rosinha.
Temas retirados do disco, «Simon’s Groove»; «Or’Anda, Desanda», sobre uma canção tradicional de Trás-os-Montes (Vinhais); «P’ti Voyou», malandrinho, maroto, um tema onde tudo muda, a melodia, o ritmo, a métrica; «Salvador», melancólico, sobre a saudade ou o Inverno; e ainda «Life is an Epic Journey», nome do próximo disco e «The Little Shepherd», um clássico de Claude Debussi, a denunciar a sua admiração pelo compositor.

Ekep Nkwelle Quartet
Mas a noite traria ainda uma grande surpresa.
Pouco se sabia da jovem cantora, Ekep Nkwelle, sem nenhum disco gravado, e com apenas alguns vídeos na internet, a par do créditos que sempre oferecem os diplomas da Duke Ellington School of the Arts ou a Juilliard School.
Apesar disso, do que tinha encontrado, eu tinha expressado na apresentação do festival as minhas expectativas elevadas para Ekep, e não me enganei: ela tem tudo para ser, muito rapidamente, uma das grandes do Jazz vocal internacional; assim ela saiba chamar a atenção dos grandes produtores. Porque dotes vocais não lhe faltam.
Filha de pais camaroneses, nascida nos EUA, ela chegou ao Jazz quase por acaso, porque as suas referências musicais remetiam mais para o R&B e a música popular negra americana, e a igreja pentecostal que, como se sabe, foi a escola de inúmeros músicos de Jazz. A heterodoxia das referências e influências de Ekep são óbvias no seu repertório, menos vulgar, mas também no tratamento, nem sempre jazzy (o que, convenhamos, não é um mal em si).

Ekep Nkwelle começou com «Never Will I Marry», uma canção popularizada pela voz de Nancy Wilson, que tinha Cannonball Adderley no saxofone, seguindo com uma espécie de bolero, «Golden Boy», tema de um musical da Broadway, que teve também um disco de Art Blakey; e um outro tema que começou por se assemelhar a um hino de igreja; mas curiosamente revelou também outra influência maior: Abbey Lincoln; naquela forma única de atirar palavras como pedras, em «Caged Bird».
A canção seguinte, «Good Morning Heartache», é um clássico dos anos 40, e foi cantado por toda a gente, a começar por Billie Holiday; e tive a sensação estranha de estar a a ouvir, em simultâneo, de novo Abbey Lincoln, e... Joni Mitchell!!!
Do Brasil, com Djavan, veio «Amazon Farewell», e curiosamente esta foi uma das interpretações mais genuinamente jazzy de todo o concerto, com uma longa demonstração de como o trio poderia sobreviver sem a cantora, com a jovem pianista em evidência num inspirado solo.
Um espiritual antecipou o clássico de Duke Ellington «Come Sunday», só voz e piano, um piano económico, como convinha, a suportar a voz profunda de Ekep; e um encerramento com um blues, o clássico «See See Rider».
Deixem-me repetir: a voz de Ekep Nkwelle tem tudo: dinâmica, volume, profundidade, amplitude; e apenas tenho a apontar-lhe um «excesso de versatilidade». Ekep tem tudo, e por diversas vezes ela me lembrou a jovem Cecile McLorin Salvant, e desde há muito que eu não ouvia uma voz assim. Assim a sorte e, como disse, uma boa produção, a acompanhe.
Uma última palavra para a banda; uma superbanda composta de ilustres desconhecidos. Em primeiro lugar a pianista, Sequoia Snyder, uma jovem que é um vulcão, e uma acompanhante atenta, que esteve sempre na frente da batalha, discreta quando necessário, distribuindo papéis quando era preciso, disparando como um ponta de lança. Uma pianista que foi do melhor que passou no festival. E, se fosse necessário, ela é uma protégée de Jason Moran.  
Igualmente bem esteve a baixista, outra jovem, Liany Mateo, enérgica, de uma alegria esfuziante. Pouco melódica, ela foi sempre poderosa, partilhando com a bateria a metade da secção rítmica que lhe competia. E a bateria, enfim, Anwar Marshall, proficiente, seguro, voluptuoso, empático num quarteto empático.
Uma enorme surpresa numa noite memorável!

David Murray Quartet
A última noite começou bem. Começou até muito bem, com um dos mais poderosos saxofonistas dos últimos cinquenta anos, David Murray. Murray é sobejamente conhecido em Portugal; já o vimos em todas as formações possíveis, do solo ao octeto ao World Saxophone Quartet, desde o final dos anos 70 ao período em que viveu em Sines; e ele já ganhou um lugar na história do Jazz.
Murray tem um estilo particular, muito pouco melódico, volumoso e rugoso, nos limites, aparentado do saxofonismo cru de Archie Shepp, mas mais rápido, jogando na atonalidade, nas rápidas mudanças de ritmo e volume, consistente no discurso, sem nunca perder de vista a composição, apenas sugerida, por vezes; dir-se-ia um falso músico free.
Murray começou convincente, com «Come and Go» e «Francesca», de «Francesca» de 2024, ou «Anita et Anita» de «Seriana Promethea» de 2022, um standard que não reconheci e um outro tema de inspiração parkeriana. Tudo gira à volta do saxofone de Murray, e ele é definitivo, também nas baladas.  Aqui e ali ele oferece espaço à pianista, Marta Sanchez, estrela em ascensão, mas o papel do piano nunca foi o de distribuição de papéis tradicional, reservando-se quase sempre apenas para os solos. Esta sobrevalência do saxofone estendeu-se ao resto do quarteto, ao contrabaixo, a que nos pareceu faltar madeira, e à bateria, poderosa e eficiente.
«Vai tudo à frente», pensei por diversas vezes sobre o saxofone de Murray mas, tinham já passado há muito os noventa minutos do concerto quando Murray anuncia uma convidada para cantar «Oiseaux de Paradis». E Francesca Cinelli sobe ao palco para cantar, ou melhor, dizer, e dançar; e para concluir o desastre cantou ainda um samba.
Enfim, não importa muito se Francesca, a nova esposa de David Murray sabe ou não cantar ou se apenas estava deslocada no palco; ela simplesmente estragou o que estava a ser um grande concerto.
Este foi o último dos acidentes do AngraJazz, e não correu bem. Felizmente que as surpresas não tinham acabado.

Artemis
O Artemis é, não apenas um projecto musical, como também um projecto social e político, feminista. Quinteto de mulheres, ele pretende afirmar a possibilidade das mulheres tocarem Jazz, mas verdadeiramente elas cinco têm uma carreira que o afirma desde há muito, e recordemos que Renee Rosnes tocou neste mesmo palco há apenas dois anos, dirigindo um quinteto misto.
O repertório percorreu basicamente o terceiro disco do grupo mas não só, «Olive Branch» e «Galapagos» da pianista, «Komoreby» de Noriko Ueda, um original arranjo de Rosnes para o clássico de Monk «Hackensack», um bonito e inesperado «Little Cramberry» de Allison Miller e, muito actual, uma versão de «What The World Needs Now Is Love» de Burt Bacharach.
Temas de toda a banda com arranjos da experiente Renee Rosnes, denunciando que, de certa forma, este é um projecto seu e, mesmo se o Artemis é constituído por cinco instrumentistas de excepção todas elas líderes e compositoras e improvisadoras, é ela, Renee, que tudo dirige, a sua estética, a sua forma.
Artemis pratica um jazz clássico, um post-bop evidente, e gostei de ver como elas dispensavam as pautas, coisa que não é vulgar nos dias que correm. E vale a pena citá-las, até porque elas foram as responsáveis por um grande concerto. Já falei da competência de Renee Rosnes, mas ela tinha ao lado uma embaixadora da escola do contrabaixo japonês, Noriko Ueda, segura e dura. Completando a secção rítmica estava a veloz e atenta Allison Miller, ora precisa e delicada, ela parece por vezes dançar em cima da bateria, ora excessiva e espectacular. E na frente de palco a jovem do quinteto, Nicole Glover, uma saxofonista a crescer muito rapidamente, discreta embora, mas voluptuosa e sonora por vezes, a roubar os aplausos no último tema.
Deixei para o fim Ingrid Jensen, a mais arrojada voz do quinteto, uma trompetista acutilante e realmente excitante. Subtil e doce nas baladas, aguerrida nos tempos mais rápidos, inteligente e fina, grande Ingrid Jensen!
Sinal dos tempos, imprevisto, ou talvez não, um grupo de cinco mulheres fez o momento mais alto do festival de Jazz de Angra do Heroísmo.  

     
     

A par dos concertos principais, na sala do Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo, o festival organizou também o Jazz na Rua, com concertos no café Verde Maçã, Hotel Caracol, Café Aliança, Quinta dos Açores, Pastelaria Central, Porta 2, Livraria Lar Doce Livro, Loja Expert e Biblioteca Luís da Silva Ribeiro; uma acção de divulgação na Escola Tomás Borba, e uma masterclass no CCCAH; e ainda uma exposição de fotografias no Centro Cultural, de Rui Caria. Os grupos envolvidos foram o Bruno Sebastien Quarteto, o Wave Jazz ensemble, o João Ribeiro Quarteto, e o Samuel Lercher Trio.

No ano de todos os imprevistos, o Angra Jazz confirmou-se, de novo, como um dos mais importantes festivais de Jazz nacionais.

(Todas as fotos por Rui Caria)

(Leonel Santos esteve no AngraJazz a convite do festival)

--
JazzLogical

 

 


Antecipação

1 de Outubro de 2025

Fiel a um modelo com mais de um quarto de século, o Angra Jazz soube afirmar-se entre os festivais de Jazz nacionais, pela importância dos nomes que todos os anos leva a palco, muito mais do que seria expectável dada a dimensão e população da bela ilha Terceira. Também, e nunca foi irrelevante, o AngraJazz nunca se questionou dos seus limites, ou do Jazz. E em terceiro, o AngaJazz sempre quis ser mais do que um rol de concertos, mais ou menos bem desfiado.

Orquestra AngraJazz com João Ribeiro

Foi esta ambição o motivo pelo qual a Associação AngraJazz se meteu na imbricada tarefa de construir uma orquestra no meio do Atlântico. Singularidade, improbabilidade, ela aí está, real, da realidade das coisas palpáveis e nobres, nascidas da utopia e da teimosia. Da realidade das coisas que permanecem, entre ventos e tornados, insularidades e terremotos, aí está, e comemora vinte e três outonos. E de acordo com o modelo, é à orquestra que cabe abrir o festival.
A orquestra AngraJazz é uma orquestra de Jazz clássica, quero dizer, uma orquestra que toca by the book, de acordo com os cânones. Ora dizem os jornais e a lenda, que a memória há muito se esvaiu, que um dia de há oitenta anos, A VOZ - Mr. Frank Sinatra himself - um dia aportou à bela Terceira; e esta é a justificação para o convite ao jovem João Ribeiro. Portugal não tem grande tradição de crooners, mas este jovem, baterista e cantor, tem-se revelado neste género, e o universo de Frank Sinatra é a sua praia. Ora o cancioneiro americano é a fonte privilegiada do repertório da Orquestra AngraJazz, e este concerto tem tudo para correr bem. Antecipa-se o «It is My Way» para o encore.

Stefano di Battista Quintet - La Dolce Vita
A primeira noite completa-se com a música do veterano Stefano di Battista um saxofonista e líder experiente, que nos trará os sons de itália. Depois de uma longa carreira onde os standards se cruzaram com a música popular italiana, no que já foi caminho de sucesso para outros (como Joe Lovano), di Battista mergulha no cinema e na Itália, em La Dolce Vita, o clássico de Fellini, como argumento para uma viagem para a peculiar música popular italiana, de Nino Rota a Domenico Modugno, de Paolo Conte a Bobby Solo, de Morricone a Renato Carosone e «Tu vuò fa l’americano».
Stefano di Battista é um bopper experimentado (17 discos em seu nome e uma centena de participações em discos de outros), que tem como mestres Charlie Parker e Art Pepper.
La Dolce Vita, disco de 2024 é o repertório que nos propõe o versátil di Battista, mas na pérola do Atlântico os ventos sopram imprevisíveis.

Samuel Lercher Trio

O segundo dia do festival começa com o trio de Samuel Lercher, que leva ao AngraJazz música do último disco, Fractal, editado em 2014. Fractal é um disco auto-biográfico, diz Lercher, que pretendeu retratar musicalmente alguns episódios relevantes da sua vida.  
Músico com uma sólida formação clássica, soube acrescentar à sua música a liberdade criativa do Jazz, nela reconhecendo as influências de Mehldau e Tigran Hamasyan, a par de Chopin e Debussi.  
O trio de Samuel Lercher completa-se com André Rosinha no contrabaixo e Bruno Pedroso na bateria.

Ekep Nkwelle Quartet
O segundo dia é tradicionalmente o dia do grupo português, mas é também o dia dedicado ao Jazz vocal, que este ano tem como protagonista a jovem cantora Ekep Nkwelle.
26 anos, de ascendência camaronesa, ela reúne a energia de Ella Fitzgerald, a técnica vocal de Sarah Vaughan, e algum do vitríolo de Betty Carter; uma mistura explosiva que a fez ser notada por Wynton Marsalis ou David Murray.
Ekep Nkwelle é por enquanto um segredo mal guardado mas, ou muito me engano ou a situação vai mudar em pouco tempo. Ao vasculhar na internet - eu não a conhecia - não pude deixar de recordar Cecile McLorin Salvant que se estreou nos palcos nacionais no AngraJazz de 2013 e hoje é disputada pelas melhores salas. Diria que Ekep Nkwelle reúne algumas das características de McLorin Salvant, mas veremos se estou enganado; até porque uma cantora não se faz só de técnica e a graça dos deuses.
Muita atenção e curiosidade para o concerto da jovem Ekep Nkwelle.

David Murray Quartet
E chegamos à última noite do festival.
David Murray é um músico relativamente bem conhecido do público Jazz nacional, e a sua primeira presença nos nossos palcos remonta ao final dos anos 70. Por essa altura Murray era considerado um músico de vanguarda, o que é atestado pelos seus discos mais antigos, como líder, a solo, como sideman ou ainda como membro fundador do World Saxophone Quartet (WSQ). Músico de vanguarda nos anos 70; saxofonista mainstream em 2025; um «músico inquieto», muito do que se descobria por esses anos foi sendo paulatinamente absorvido e o que na altura era moderno (e até «vanguarda») hoje é vetusto ou, mais simpaticamente, «clássico».    
Profícuo e versátil, Murray tocou em Portugal em quarteto, em quinteto, a solo, em duo, em octeto, em todos as formatos possíveis, e também com o WSQ, tornou-se assíduo em Sines (a tocar world music) quando por lá viveu, e é indiscutivelmente um dos grandes músicos de Jazz dos últimos cinquenta anos.
Em 2014 gravou «Francesca», um disco tranquilo, «dedicado à mulher», que irá tocar no palco do Centro de Congressos, o palco do Angra Jazz.

Artemis
O concerto de encerramento do Angra Jazz 2025 está a cargo dos, das, Artemis, um quinteto «de mulheres». Vou ser pouco politicamente correcto e confessar que a fórmula de combo «de mulheres» é para mim uma mera curiosidade, e também que não espero deste concerto mais do que foi o (excelente) concerto do quinteto de Renee Rosnes há dois anos (Renee Rosnes é a líder do Artemis). Já vi tocar as cinco, e tenho por Ingrid Jensen (a trompetista) e  Allison Miller (a baterista) especial apreço, e a minha única dúvida residia na jovem saxofonista Nicole Glover; dúvida desfeita no concerto da Renee Rosnes de 2023.
Talvez que a particularidade deste grupo, e veremos como se composta em palco (quero dizer, para além do que se pode discernir nos discos), seja o facto de ele ser constituído, mais do que por mulheres, por líderes e compositoras, e serem as cinco instrumentistas e improvisadoras de excepção.
O Artemis estreia-se em palcos nacionais em Angra do Heroísmo, a fechar a última noite do AngraJazz, no que se antecipa ser uma grande noite de Jazz.

2 a 5 de Outubro 2025

Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo

(Leonel Santos estará no AngraJazz a convite do festival)

Home