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Angra Jazz 2025

 

 

Fiel a um modelo com mais de um quarto de século, o Angra Jazz soube afirmar-se entre os festivais de Jazz nacionais, pela importância dos nomes que todos os anos leva a palco, muito mais do que seria expectável dada a dimensão e população da bela ilha Terceira. Também, e nunca foi irrelevante, o AngraJazz nunca se questionou dos seus limites, ou do Jazz. E em terceiro, o AngaJazz sempre quis ser mais do que um rol de concertos, mais ou menos bem desfiado.

Orquestra AngraJazz com João Ribeiro
Foi esta ambição o motivo pelo qual a Associação AngraJazz se meteu na imbricada tarefa de construir uma orquestra no meio do Atlântico. Singularidade, improbabilidade, ela aí está, real, da realidade das coisas palpáveis e nobres, nascidas da utopia e da teimosia. Da realidade das coisas que permanecem, entre ventos e tornados, insularidades e terremotos, aí está, e comemora vinte e três outonos. E de acordo com o modelo, é à orquestra que cabe abrir o festival.
A orquestra AngraJazz é uma orquestra de Jazz clássica, quero dizer, uma orquestra que toca by the book, de acordo com os cânones. Ora dizem os jornais e a lenda, que a memória há muito se esvaiu, que um dia de há oitenta anos, A VOZ - Mr. Frank Sinatra himself - um dia aportou à bela Terceira; e esta é a justificação para o convite ao jovem João Ribeiro. Portugal não tem grande tradição de crooners, mas este jovem, baterista e cantor, tem-se revelado neste género, e o universo de Frank Sinatra é a sua praia. Ora o cancioneiro americano é a fonte privilegiada do repertório da Orquestra AngraJazz, e este concerto tem tudo para correr bem. Antecipa-se o «It is My Way» para o encore.

Stefano di Battista Quintet - La Dolce Vita
A primeira noite completa-se com a música do veterano Stefano di Battista um saxofonista e líder experiente, que nos trará os sons de itália. Depois de uma longa carreira onde os standards se cruzaram com a música popular italiana, no que já foi caminho de sucesso para outros (como Joe Lovano), di Battista mergulha no cinema e na Itália, em La Dolce Vita, o clássico de Fellini, como argumento para uma viagem para a peculiar música popular italiana, de Nino Rota a Domenico Modugno, de Paolo Conte a Bobby Solo, de Morricone a Renato Carosone e «Tu vuò fa l’americano».
Stefano di Battista é um bopper experimentado (17 discos em seu nome e uma centena de participações em discos de outros), que tem como mestres Charlie Parker e Art Pepper.
La Dolce Vita, disco de 2024 é o repertório que nos propõe o versátil di Battista, mas na pérola do Atlântico os ventos sopram imprevisíveis.

Samuel Lercher Trio
O segundo dia do festival começa com o trio de Samuel Lercher, que leva ao AngraJazz música do último disco, Fractal, editado em 2014. Fractal é um disco auto-biográfico, diz Lercher, que pretendeu retratar musicalmente alguns episódios relevantes da sua vida.  
Músico com uma sólida formação clássica, soube acrescentar à sua música a liberdade criativa do Jazz, nela reconhecendo as influências de Mehldau e Tigran Hamasyan, a par de Chopin e Debussi.  
O trio de Samuel Lercher completa-se com André Rosinha no contrabaixo e Bruno Pedroso na bateria.

Ekep Nkwelle Quartet
O segundo dia é tradicionalmente o dia do grupo português, mas é também o dia dedicado ao Jazz vocal, que este ano tem como protagonista a jovem cantora Ekep Nkwelle.
26 anos, de ascendência camaronesa, ela reúne a energia de Ella Fitzgerald, a técnica vocal de Sarah Vaughan, e algum do vitríolo de Betty Carter; uma mistura explosiva que a fez ser notada por Wynton Marsalis ou David Murray.
Ekep Nkwelle é por enquanto um segredo mal guardado mas, ou muito me engano ou a situação vai mudar em pouco tempo. Ao vasculhar na internet - eu não a conhecia - não pude deixar de recordar Cecile McLorin Salvant que se estreou nos palcos nacionais no AngraJazz de 2013 e hoje é disputada pelas melhores salas. Diria que Ekep Nkwelle reúne algumas das características de McLorin Salvant, mas veremos se estou enganado; até porque uma cantora não se faz só de técnica e a graça dos deuses.
Muita atenção e curiosidade para o concerto da jovem Ekep Nkwelle.

David Murray Quartet
E chegamos à última noite do festival.
David Murray é um músico relativamente bem conhecido do público Jazz nacional, e a sua primeira presença nos nossos palcos remonta ao final dos anos 70. Por essa altura Murray era considerado um músico de vanguarda, o que é atestado pelos seus discos mais antigos, como líder, a solo, como sideman ou ainda como membro fundador do World Saxophone Quartet (WSQ). Músico de vanguarda nos anos 70; saxofonista mainstream em 2025; um «músico inquieto», muito do que se descobria por esses anos foi sendo paulatinamente absorvido e o que na altura era moderno (e até «vanguarda») hoje é vetusto ou, mais simpaticamente, «clássico».    
Profícuo e versátil, Murray tocou em Portugal em quarteto, em quinteto, a solo, em duo, em octeto, em todos as formatos possíveis, e também com o WSQ, tornou-se assíduo em Sines (a tocar world music) quando por lá viveu, e é indiscutivelmente um dos grandes músicos de Jazz dos últimos cinquenta anos.
Em 2014 gravou «Francesca», um disco tranquilo, «dedicado à mulher», que irá tocar no palco do Centro de Congressos, o palco do Angra Jazz.

Artemis
O concerto de encerramento do Angra Jazz 2025 está a cargo dos, das, Artemis, um quinteto «de mulheres». Vou ser pouco politicamente correcto e confessar que a fórmula de combo «de mulheres» é para mim uma mera curiosidade, e também que não espero deste concerto mais do que foi o (excelente) concerto do quinteto de Renee Rosnes há dois anos (Renee Rosnes é a líder do Artemis). Já vi tocar as cinco, e tenho por Ingrid Jensen (a trompetista) e  Allison Miller (a baterista) especial apreço, e a minha única dúvida residia na jovem saxofonista Nicole Glover; dúvida desfeita no concerto da Renee Rosnes de 2023.
Talvez que a particularidade deste grupo, e veremos como se composta em palco (quero dizer, para além do que se pode discernir nos discos), seja o facto de ele ser constituído, mais do que por mulheres, por líderes e compositoras, e serem as cinco instrumentistas e improvisadoras de excepção.
O Artemis estreia-se em palcos nacionais em Angra do Heroísmo, a fechar a última noite do AngraJazz, no que se antecipa ser uma grande noite de Jazz.

2 a 5 de Outubro 2025

Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo

(Leonel Santos estará no AngraJazz a convite do festival)

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